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Fazer terapia ainda é um grande tabu


Uma vida que “deveria ser fácil de ser vivida”, mas que, por algum motivo, não é. Um caminho para a felicidade que nunca é encontrado: “Devo estar fazendo algo errado, não é possível”. Uma sensação de que nada está bom. Uma sensação desconfortável, difícil de explicar.


A angústia, o sofrimento e as perdas fazem parte da vida, apesar de o pensamento contemporâneo prometer combos de felicidade ininterrupta e remédios para os momentos mais amargos da existência. Por mais que se tente ignorar, sofrer, se angustiar e sentir falta são aspectos tão humanos e comuns quanto ficar alegre ou comemorar uma vitória. Estão muito mais relacionados a saúde do que a doença.


E mesmo assim, recorrer à ajuda de psicólogos e psicanalistas para se viver melhor e lidar com as dificuldades que a vida, tenha certeza, vai nos trazer, permanece um grande tabu em nossa sociedade.


Uma pesquisa inédita do instituto Market Analysis, divulgada com exclusividade ao HuffPost Brasil, revelou que apenas 2% dos adultos dos principais centros urbanos do Brasil fazem psicoterapia. É o mesmo resultado verificado em 2002, quando a primeira medição foi realizada.


O levantamento mostrou que 87% não faz ou nunca recorreu a uma terapia, e 11% já fez em algum momento da vida. Porém, 30% das pessoas consultadas admitem que têm muito interesse em fazer terapia, o que mostra um distanciamento entre a vontade e a concretização.


Para Bárbara de Souza Conte, conselheira do Conselho Federal de Psicologia (CFP), é possível pensar em pelo menos três motivos: Um deles é a diminuição do poder aquisitivo da população, o que restringe a procura, somada ao acesso cada vez menor a esses serviços pelo Sistema Único de Saúde (SUS).


“Além disso, atualmente vem ocorrendo uma confusão quanto ao atendimento clínico psíquico e a espiritualidade; desta forma, há uma certa oferta de ditos ‘tratamentos psíquicos’ em instituições religiosas que têm recebido a adesão de pessoas que frequentam estas igrejas.”

Dentre as pessoas interessadas em uma psicoterapia, existe também a dúvida quanto a quais profissionais estariam habilitados para fornecer este serviço, completa Conte, que é mestre em Psicologia pela PUC/RS e doutora em Fundamentos e Desenvolvimentos em Psicanálise pela Universidade Autônoma de Madri.


Questões financeiras – especialmente os mitos – de fato têm grande influência sobre fazer ou não terapia, apurou a pesquisa. De um lado, fazer terapia é visto por 46% das pessoas consultada’s como um luxo reservado para a elite, onde só quem é abastado pode pagar as sessões. Esta leitura é reforçada pela percepção desfavorável de que a psicoterapia não vale o que custa – é o que pensam quase 4 em cada 10 brasileiros.


A conselheira do CFP destaca que o custo de um tratamento não é somente financeiro:


Tratar-se também implica em entrar em contato com os aspectos destrutivos e sofridos de si mesmo. Este é um custo que muitas vezes o sujeito não quer reconhecer e se implicar. O SUS oferece uma escuta possível dentro das possibilidades, como em CAPs, com o atendimento à álcool e drogas, psicoses, família. O SUS tem muito a ser aperfeiçoado, mas é uma forma de oferecer atendimento clínico a uma faixa da população que não tem acesso ao atendimento privado.”

Há ainda um outro mito, que revela que os cuidados com a saúde mental ainda são um grande tabu em nossa sociedade. Para 34% dos consultados, apenas quem passa por problemas muito graves precisa fazer terapia. Pelo menos houve uma evolução quanto a isso: Em 2002, ano da primeira medição, esta era a percepção de 42% das pessoas.


“Penso que ao longo do tempo foi se desenvolvendo um modelo que é psiquiátrico, referente a transtornos e medicalização. E este modelo é muito diferente do que se entende por problemas psíquicos. O modelo de saúde mental não é a ausência de sintomas, mas sim uma possibilidade de reorganização psíquica que leva o sujeito a lidar e/ou modificar seu sofrimento. O tabu existe porque, ao invés do olhar de quem atende dirigir-se ao sujeito e seu sofrimento, ele se volta à tipificação da doença. Transforma o sujeito em doença e aí medicaliza. Aí cria-se a barreira para o sujeito querer se tratar.”


Por outro lado, a percepção quanto aos benefícios de uma terapia vem aumentando. Três quartos dos consultados (76%) concordam que quem faz terapia acaba se relacionando melhor com os outros, segundo a pesquisa.


Melhorou também a relação com a autonomia, mas uma em cada três pessoas (31%) ainda receia que o paciente fique dependente do terapeuta. Antes, essa desconfiança vinha de 43% dos consultados. Conte afirma que só o trabalho com ética é capaz de mudar essa visão.


“Muitas vezes a sugestão toma o lugar da fala e da escuta. Dependência se cria quando, em vez de o sujeito se pensar, ele passa a demandar que o terapeuta diga o que fazer. Se isso ocorre, o terapeuta está fora de sua função e toma para si o lugar de sugerir. Esta é uma forma de exercício de poder, de criar dependência.”

Uma vez driblado o tabu, os pacientes têm muito com o que se beneficiar, e os efeitos de uma terapia dependem do conflito, do desejo da mudança, das condições individuais e familiares para a mudança psíquica e do tratamento a ser utilizado.


“Todo sujeito que sofre e deseja uma mudança psíquica irá se beneficiar quando escutado, pois encontrará, em quem o ouve de forma abstinente e ética, uma via para buscar alternativas e possibilidades de novas formas de lidar com o sofrimento.”

O estudo foi realizado com homens e mulheres de 18 a 69 anos em 906 domicílios das cinco regiões do País. Foram abrangidas as capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Curitiba, Porto Alegre, Manaus, Belém, Brasília e Goiânia.


Fonte: Brasilpost.



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